OS DEZ DIÁLOGOS INÉDITOS DO POEMA DE MESA PARA A APRESENTAÇÃO DOS VÍDEOS DO FOMENTO ONLINE
Meta Incerta x Céu Incerto; Inquilina x Na Lupa do Velho Buk; Quando e Como x Como? Quando?; Tatuagem x Palavra Secreta; Meros x Marcas na Mesa; A Voz e o Vento e Outros Silêncios x Elocução Horizontal; Libras x Víbora; Contraditório x Inexatidões; Desanunciação x No Silêncio um Riso; Incompletudes x Inapetências.
EPISÓDIO I
DIÁLOGO 1 – PRIMEIRO EPISÓDIO − EPÍGRAFE DE IVAN JUNQUEIRA
"E então me pergunto, a sós:
por que desdenhar o outrora
se nele é que ecoa a voz
do que, no futuro, aflora?".
META INCERTA – PROVOCAÇÃO JC
Lagartas
Devoram meu pomar
Suas cores tão fortes
Fazem imaginar
A viagem lisérgica.
Crisálidas
Pupas sós em apuros
Paradas sem um rumo
Universos de múltiplas
As possibilidades.
Borboletas
Voam no meu jardim
Sem uma serventia
Outra, fora a poesia
CÉU INCERTO – RÉPLICA MD
Versos
Devoram minha neblina
Sua cor que é tão cinza
Faz imaginar o que há detrás
Do napalm daquela cortina.
Poemas
Cercado entre muros
Mortos e moribundos
Cosmo de muitos mundos
Presos num umbigo fundo.
Poetas
Ícaros sem serventia
Creem na grande mentira
De que tem asas, a poesia.
EPISÓDIO II
DIÁLOGO 2 – SEGUNDO EPISÓDIO − EPÍGRAFE DE JOÃO CABRAL
"... ela que hoje da janela / vê que na rua desfila / banda de que não faz parte, / rindo de ser sem discípula."
INQUILINA – PROVOCAÇÃO MD
Eu sinto ao redor uma comichão que me desloca,
e não sei se sempre é a mesma ou se ela se renova
nas rotas da rotina, no giro enfeitiçado das horas;
às vezes fica por dentro e em outras roda por fora,
nas elipses das carnes e das coisas — sobre a órbita
esquisita da vida e a do futuro que até Deus ignora.
E transita nas polaridades dos fatos. E vai e retorna
entre este e um outro lado, onde vivem os mortos
que bordam os remendos da minha alma nervosa;
sobrevoa os cômodos da casa a fim de bater os pós
das poeiras que choveram ontem nos meus poros
e nos extremos dos ossos às suas polpas esponjosas.
E enche e comprime os meus buchos e os contorce
e sobe e desce ao centro dos neurônios, no córtex,
nos martelos e no fundo dos breus dos meus olhos.
Não é a minha discípula, mas, sim, a que me coloca
num cadafalso, abre o chão e aperta o laço da corda.
NA LUPA DO VELHO BUK – RÉPLICA JC
Se lhe aperta o laço ao pescoço, fuja dele
Seja livre tal qual o verso que não se submete
Às regras da metrificação e nem mesmo espera
Qualquer salvação no fato de ser livre, apenas resiste
E atento, em raiva contida, continua no poema
Apesar de não se sentir parte e não servir à pena
Apesar de se saber um pedaço da máquina que engrena
Outra máquina biomecânica que só gera gangrena
Pois que tudo são cotovelos no balcão ou na janela
Enquanto a gente observa, posterga, morre e sela
Cada envelope de carta não enviada, com a saliva seca.
Mesmo nesses nossos tempos de rudes redes e telas
No fim é sempre a boca que beija, o lábio que estala
De prazer ou quase. O nariz não é uma cornucópia mágica
Que possa aspirar todos os aromas, o pó da autoestrada
Cheia de belezas nas margens, infinita na sua poderosa lupa
A tua poesia, mal abençoada por Bukowski, não tem discípula.
DIÁLOGO 3 – SEGUNDO EPISÓDIO − EPÍGRAFE DE DANTE GABRIEL ROSSETI
“I have been here before.
But when or how I cannot tell”.
QUANDO E COMO – PROVOCAÇÃO JC
Dentro do útero nada recorda
Expulso atado a uma corda
Da tenra infância, dita primeira
Mistura mimos e as brincadeiras
Chega à idade das mil questões
Que sempre retornam, sem soluções
De onde veio, para onde vai?
Clama ao futuro. Busca lá atrás.
Nada encontra; tão somente ecos
De sons sem sentido, muitos nós cegos
Sabe que esteve por aqui antes
Quando ou como? Lá se vão distantes
Mistura pólvora, dor e prazer
Como antídoto ao mal viver
Sabe que já esteve por aqui
Quando ou como? Só pode senti-lo.
COMO? QUANDO? – RÉPLICA MD
Sempre me enforquei entre as cordas,
desde dentro da placenta, às horas
rotineiras e secas do poema,
da sua mão fechada e azeda
e do seu cadeado sem grilhões.
Estive aqui. Não sei dos senões;
estive em algum tempo passado,
pois reconheço aquele despacho
lá da esquina, as taças, as velas
coloridas e o eco das preces
que ajoelhei antes da manhã.
E dei dendê e sidra de maçã
aos espíritos, às redes sedentas
que estão coligadas ao sistema
— idas e vindas do purê da vida.
Sim. Estive. Mas não lembro ainda.
DIÁLOGO 4 – SEGUNDO EPISÓDIO − EPÍGRAFE DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
"E eles quedam mordidos para sempre. / Deixaram de existir, mas o existido / continua a doer eternamente"
TATUAGEM – PROVOCAÇÃO MD
Há pessoas que somam ou subtraem
ou dividem ou mesmo multiplicam
— na hora de tirar todas as máscaras —
as coisas que o amor propicia.
Nada do que passa será passado,
do orgasmo ou da desarmonia,
pois não é a respiração que falta,
mas, sim, a dor que tatua sem tinta
— sem traços de mentira, de verdade,
de esperança ou de nostalgia —
os novos dialetos dessa alma,
depois de uma história vivida.
Existe uma contagem, somente:
— Tudo o que arde é para sempre.
PALAVRA SECRETA – RÉPLICA JC
Há os amantes que apenas fingem
viver, gozar, morrer no céu do outro,
portanto desconhecem a vertigem
de amar o amor no início e no fim, roto:
picada mais aguda que a da agulha,
veneno que na veia se inocula
e faz fugirem todos os sentidos;
ao mesmo tempo espalha a doçura.
Os novos dialetos dessas almas
podem até não se compreenderem,
mas sempre haverá uma palavra
secreta, feita com ferro em brasa.
Esse tal código compartilhado
É o que dói e eternamente rasga.
EPISÓDIO III
DIÁLOGO 5 – TERCEIRO EPISÓDIO − EPÍGRAFE DE T.S. ELIOT
“Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns aos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós”!
MEROS – PROVOCAÇÃO JC
Somos homens ocos, somente ecos
De outros sons no passado atados
A percutir, a repercutir o fado
No futuro meros secos cadáveres.
O que sobrará de nossa vaidade?
Quem olhará a nossa bela obra?
Tal qual generais com as suas tropas
Marchamos para a glória e a derrota.
Nosso aço fraco, a faca fina
Que nos corta os corpos, uma lâmina,
Um poema que o poeta assina
Faz mais um golpe sobre a ânima.
Os tais bonecos empalhados jazem
Sem futuro, passado, poesia...
MARCAS NA MESA – RÉPLICA DE MD
Eu sou um desses muitos homens ocos.
Não pensei que você escreveria
confissões impessoais dos seus sonhos
prontos de que sempre se utiliza
para escapar dos seus próprios monstros.
Uso elmos de chapas retorcidas
e já ergui estandartes medonhos
nos breus dos bueiros da avenida.
Não rezo às pedras, pois sou das sombras
e nego os justos e a justiça...
Oco: do esôfago ao estômago,
da coluna vertebral à espinha
seca, pessimista — somos dois tolos
perdidos na selva da poesia.
DIÁLOGO 6 – TERCEIRO EPISÓDIO − EPÍGRAFE DE JOÃO CABRAL
“O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional da preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar”.
A VOZ DO VENTO E OUTROS SILÊNCIOS – PROVOCAÇÃO JC
Não trago novas imagens
nem abro novos portais,
apenas ouço o vento
uivar nos canaviais.
Mão que parece herdeira
de carícias ancestrais
sobre a verde cabeleira;
venta nos canaviais.
Parece com várias ondas
no som e no movimento.
Às vezes se ouvem versos
de outro mar, outro tempo.
E desses ermos lugares
onde doce era sal
reverbera pelos ares
a voz de João Cabral.
O silêncio que se faz
entre a fúria e a calmaria,
no mar, no canavial,
onde jaz a poesia.
ELOCUÇÃO HORIZONTAL – RÉPLICA MD
No mar mora o meu medo
e as canas são fantasmas
reunidos ou parados
ou em algum tombamento
de um ângulo de vento
ou beijo de preamar.
Vejo o azul da cena
sob os ocres do cenário:
o que aprende o medo
com a fila de soldados
é agir em movimento,
mesmo estando parado.
O pelotão de fantasmas
aprende sim com o medo
que todos somos passados
— sabem do nosso segredo.
Não trago nova imagem,
pois Cabral é o esquadro
e as linhas do momento
dos limites do desenho.
DIÁLOGO 7 – TERCEIRO EPISÓDIO − EPÍGRAFE DE MAIAKÓVSKI
“Amarra-me a um cometa como à cauda de um cavalo e chicoteia! Que meu corpo se estraçalhe nos dentes das estrelas”.
LIBRAS – PROVOCAÇÃO MD
Quando a alvorada
é sepultada sob as
exéquias do meio-dia
o sol guarda animas:
desaparece a manhã mas
não morre a rebeldia
da luz que irradia
a nuvem que colore
o furta-cor da avenida.
Quando a noite
faz a passagem
do cetro de estrelas
no meio-dia inverso
na meia-noite o sol
não deu as caras de
sua oriental boemia:
reencarna o roxo e alta
ainda é só a poesia.
Quando a morte
então é suplicada
num verso tremido
Deus não ouve poetas
Diabo não lê poemas
e resta o nada destemido
entre uma dor e um fio
de uma rima esquecida:
foi o sangue, ficou a vida.
VÍBORA – RÉPLICA JC
Dessamarra-me da cauda
de qualquer cometa, cavalo
ou outro ser solitário
que não caiba no metro
da baioneta calada.
Nem no rumo do astrolábio.
Não importa se olhado
à luz turva que antecede
as repetitivas alvoradas.
Desamarra-me dos quandos
guardados em falsos planos
de batalhas não travadas
onde se escondem os danos
e as perdas do poeta
no seu olhar assassino
de casa e cotidiano
a conceber cores várias
na cárie da madrugada.
Desamarra-me inclusive
deste e de outros compromissos
que não tenham por preciso
mirar as coisas mais belas:
o humano em seu tamanho
a arte e a sua verdade
de ser inútil, mas parte
de tudo que nos eleva
entre os dentes das estrelas.
EPISÓDIO IV
DIÁLOGO 8 – QUARTO EPISÓDIO − EPÍGRAFE DE SIL
“Vem comigo
contradizer
a exatidão
da matemática
e provar
que
1+1
É igual a 1.”
CONTRADITÓRIO – PROVOCAÇÃO JC
Oscila entre a sibila e a sílaba
Entreabertos lábios que publicam
O poema: exata matemática
Em sua própria extrema estética.
Não há som de explosão no espaço
Sideral, essa abóboda aberta
De onde alguém sempre nos vigia
(Cada tentativa de aritmética).
O poema em seu roteiro raro
Em sua irreal destilaria
Malgrado a vã inutilidade
Desmonta aos poucos a maquinária.
A sensação de sobras que se forma
Toca a própria Sombra; a absorve.
INEXATIDÕES – RÉPLICA DE MD
É feito um pêndulo que ora alcança a engenharia
de um metro calculado; ora fica na balbúrdia livre
dos espaços. E não importa o lugar onde a poesia
mora, pois a exatidão da matemática é distorcida
entre a pena do poeta (que constrói e é construída)
e a urgência de costurar a bainha da sua calça puída.
Versos são orquestras possíveis em qualquer medida
da escala de um timbre que escorre do seu alambique.
O meu convite flutua na manhã que se desfaz no cinza
(o tom da saudade que agora, fria e aflita, predomina),
e o amor detém o segredo mais poderoso da alquimia:
transformar o chumbo da solidão no ouro da parceria.
Eu me adiciono, me subtraio... Duvido e me multiplico
na arena do poema (e em mim mesmo me contradigo).
DIÁLOGO 9 – QUARTO EPISÓDIO − EPÍGRAFE DE SONALI SOUZA
"Tempos de anestesia e traqueostomia.
Tempos de insônia e solidão.
Tempos em que um anjo do riso
foi perdido na imensidão."
Sonali Souza
DESANUNCIAÇÃO – PROVOCAÇÃO MD
Pobres de nós, os anunciadores de lamentos,
feito se a vida fosse mais, mas é bem menos.
Podres são os discursos coitadinhos, sempre
na defensiva das vitimizações do sofrimento.
O mundo é ruim: chaga, guerra, armamento,
insônia, mentira, traqueostomia e unguento;
ansiedade, solidão e sem anjo no firmamento
que ouça esta ladainha roída através dos tempos.
A morte parece ser a saída para o choro fremente,
porém não há fins — e tudo recomeça novamente.
NO SILÊNCIO O RISO – RÉPLICA JC
Se o todo novamente sempre recomeça
(não há fins – disse o poeta e não mente)
o mundo somente pode ser ruim se visto
por um foco provisório, representativo,
que a mente fixa feito fosse eterno
e não um rio a carregar seu vasto reino
onde se cabem os tumultos e seus tudos
e as pedras quebradas nos seus lutos.
Não, o anjo do riso não está perdido.
Ele espia e ri de nós, mas sem ruído.
DIÁLOGO 10 – QUARTO EPISÓDIO − EPÍGRAFE DE WILLIAM BUTLER YEATS
“E a guerra cotidiana com seu gado
Afazer de teatro, afã de gente
Juro que antes que a aurora se apresente
Eu descubro a cancela e abro o cadeado”.
INCOMPLETUDES – PROVOCAÇÃO JC
Os deveres a que se dedica o escriba,
a carregar pedras, embora sentado,
não pagam as contas e não tornam explícitas
as relações com as suas outras e piores dívidas:
viver incompletamente a vida, amarrado
ao tecido taciturno de sua própria escrita,
trocar o desconhecido território pelo mapa
com suas direções fixas e dimensões definidas;
os alfarrábios que ele produz formam janelas
que lhe permitem apenas ver diversas cela
INAPETÊNCIAS – RÉPLICA DE MD
Sócrates foi condenado na praça por saber
que não sabia e sempre me pergunto a sós:
— O que, além da poesia, deveria conhecer
o homem como a maior dádiva do cosmos?
Mas difícil é a ladainha dos dias, os códigos
de cobrança na caixa do correio e a potência
falida do verso — viver o que há de mais ruim
em ser incompleto, pois não ter os elementos
é bom para o futuro, com ou sem um caminho.
Perder a fome é ser incompleto sem ser infinito.
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